
Diego Barreto não se vê como executivo, mas como empreendedor. Nascido em Uberaba, no interior de Minas Gerais, cresceu com os pés no chão, literalmente. Andava descalço na terra da fazenda do avô, onde tirava leite da vaca, cortava e moía cana e alimentava os animais. No dia a dia, ajudava o pai caminhoneiro trocando pneus, consertando o assoalho dos caminhões e viajando na boleia.
Essas vivências moldaram um empreendedor raiz. Aquele que, quando algo dá errado, se torce e se adapta para fazer dar certo, se vira para encontrar soluções e faz as coisas acontecerem. Aos oito anos, criou sua própria lojinha de rua, revendendo balas. Aos 12, negociou com a concessionária local para que patrocinasse o uniforme do time de futebol da sua rua.
Aos 19 anos, mudou-se para São Paulo para estudar e cursar a faculdade de Direito, influenciado pelo pai, que dizia ser um curso que abriria portas para diferentes caminhos. Estudioso, aprendeu sozinho sobre Finanças, Economia e Estratégia, e passou por grandes empresas como Mattos Filho, Lopes Consultoria de Imóveis e Suzano, até se conectar com a Liga Ventures e conseguir uma vaga na Movile, onde participou da fusão do Ingresso Rápido com a Sympla.
Hoje, Diego é CEO de um dos maiores cases de sucesso do país: o iFood. Com mais de oito anos na empresa, ele entrou oficialmente como CFO e VP de Finanças e Estratégia, mas desde o início, sua atuação foi muito além. Trabalhando lado a lado com o então CEO Fabrício Bloisi, assumiu também as áreas de comunicação, impacto social, benefícios, políticas públicas e até a operação na Colômbia. Em maio de 2024, passou a exercer formalmente o cargo de CEO, após Bloisi subir na hierarquia para liderar a holandesa Prosus, controladora do iFood.
Em um papo de peito aberto com o Startups, Diego relembrou as raízes da infância e refletiu sobre como elas contribuíram para formar quem ele é hoje. Também falou sobre o momento atual do iFood, posicionando a empresa como um ecossistema que vai além do delivery. Comentou ainda a recente parceria com o Uber e compartilhou pontos de sua vida pessoal, como suas estratégias de organização e atividades fora do trabalho.
Veja, a seguir, os melhores momentos dessa conversa:
Da “lida” na roça em Uberaba, para estudante de direito, depois CFO de uma companhia de papel e celulose e CEO do iFood. Como você lidou com tantas mudanças ao longo do caminho?
Olhar para trás é a melhor forma de me entender. Sou um cara muito ligado às minhas raízes. Passei a vida indo pra empresa de transporte do meu pai trabalhar e ajudar meu avô a cuidar de sua fazenda. Essa foi minha vida até os 19 anos.
Sempre sonhei grande. Desde moleque, tudo o que fiz foi tentando fazer diferente, fazer maior. É por isso que falo tanto da raiz: esse meu jeito vem da vivência na pequena empresa do meu pai e na fazenda do meu avô – lugares onde, todos os dias, a gente precisava ralar muito pra sobreviver.
Meu pai foi para a faculdade de Direito e virou empresário. Sempre dizia que eu deveria cursar Direito porque era uma formação que abriria minha cabeça e me daria um leque de possibilidades. Mas logo no primeiro ano na PUC-SP percebi que não era pra mim. Não pela faculdade, mas pelo curso em si. Direito é um curso de processo, e eu queria o negócio.
Em 2003, o Brasil começava a ganhar tração. O Plano Real tinha estabilizado a economia, a China começava a comprar nossas commodities, o mercado de capitais começava a funcionar de verdade. O investidor estrangeiro passou a olhar para o nosso país, o rating melhorou, o dinheiro saiu da poupança e foi parar na Bolsa. Era a primeira grande safra de IPOs – começou com a Natura, depois vieram 23 incorporadoras, Gol, TAM, entre outras empresas.
Foi nesse contexto, ainda na faculdade, que um colega chamado Ricardo comentou que faria uma entrevista no escritório Mattos Filho, mas que não estava tão interessado, porque a vaga era em mercado de capitais. Aquilo me chamou atenção. Mesmo cursando Direito, eu já estudava muito Finanças, Economia e Estratégia por conta própria. Perguntei se eu podia ir no lugar dele. Ele topou, mas a gente não avisou ninguém.
Cheguei na entrevista como se fosse ele – tipo cena de Suits. Contei a minha real história, a recrutadora gostou e me chamou pra uma segunda conversa com os sócios. Foi aí que abri o jogo: expliquei que meu nome não era Ricardo, mas que tudo o que eu havia dito era verdade. Ela disse que não tinha sido certo, mas viu que não houve má-fé e me manteve no processo seletivo. Fui aprovado.
A área de mercado de capitais do Mattos Filho tinha só oito pessoas, e eu entrei bem na inclinação da curva – era como estar numa startup. Vivi uma intensidade absurda, com inovação na veia, justo quando o mercado brasileiro começava a se desenvolver. Quando cheguei lá eu já tinha uma certa maturidade, com anos de trabalho prévio. E para quem se dedicava de verdade e mergulhava de cabeça, o papel deixava de ser o de um simples estagiário: a gente realmente podia atuar na prática, fazer acontecer. Se fosse preciso estruturar um IPO com dual listing, por exemplo, a gente ia até a CVM tentar construir algo que ainda nem existia. Então aquela foi, sem dúvida, a minha grande escola.
Fiz um MBA no IMD Business School e, em 2014, quando voltei para o Brasil, percebi uma tendência que logo chegaria com força: a tecnologia digital. Era o ano em que o Facebook comprava o WhatsApp e o Instagram começava a ganhar tração no mundo. O Android ainda dava os primeiros passos, a nuvem começava a se consolidar e o 3G finalmente oferecia uma rede mais estável. Voltei do MBA com uma convicção muito clara: esse mundo ia mudar.
Ainda não se falava em startup. Certo dia, vi uma matéria falando de Movile, iFood, Buscapé e Peixe Urbano. Empresas pequenas, mas que todo mundo já conhecia e que tinham milhares de clientes. Percebi que o que elas tinham em comum era justamente isso que comentei. Pesquisei muito e encontrei a Liga Ventures. Coloquei um terno, bati na porta e me apresentei (na época, era diretor da Suzano). Foi assim que entrei no ecossistema. Foi um choque, pois era tudo diferente do que eu tinha aprendido até então.
Me conectei com o pessoal da Innova Capital, que investia na Movile, quando eles estavam em busca de um profissional sofisticado, mas com espírito de startup, para tocar um negócio em rápido crescimento. A proposta era mais baixa do que eu ganhava na Suzano, mas liguei para minha esposa, conversamos e decidi aceitar. Coincidentemente, no dia seguinte, antes mesmo de eu pedir demissão, a Suzano me demitiu.
Na Movile, comecei na área do Ingresso Rápido. Logo no início, percebi que a empresa não estava indo bem financeiramente. Expliquei a situação e a Movile decidiu que não iria mais investir no negócio, e que a gente precisava tocar a operação do jeito que desse. Eu e o Petras Veiga, que na época era CEO do Ingresso Rápido, colocamos dinheiro do nosso próprio bolso, tocamos o negócio por dois anos e equacionamos o problema, recompondo o que antes era prejuízo. Depois, fundimos com a Sympla.
No dia em que concluímos a transação, pedi demissão da Movile para assumir um cargo no Uber no Brasil. No entanto, o Fabrício Bloisi, então CEO da Movile, pediu para eu ficar, pois disse que não perderia um empreendedor depois de vê-lo falhar e dar a volta por cima. Mais do que isso, me deu a liberdade para escolher em qual empresa do grupo eu gostaria de trabalhar. Acabei recusando a proposta do Uber e optei pelo iFood. Em 2016, assumi o cargo de CFO e VP de Estratégia.
Sempre me vi como alguém que precisava fazer gestão, crescer o negócio, resolver o economics e seguir em frente – e fui fazendo. Na prática, além das finanças, também assumi as áreas de comunicação, impacto social, iFood Benefícios, operação da Colômbia e políticas públicas. Em maio de 2024, assumo oficialmente como CEO do iFood, mas isso já vinha acontecendo. Eu e o Fabrício tínhamos uma relação simbiótica, tocávamos tudo juntos.
Lá em 2016, vocês já imaginavam ou tinham a pretensão de que o iFood se tornaria o que é hoje, ou essa visão foi sendo construída ao longo do tempo?
A visão sempre foi grande, mas os números acabaram ficando muito maiores do que a gente projetava. E isso tem muito a ver com cultura, que é um dos pilares fundamentais do iFood e algo que eu não negocio.
Já falei em várias ocasiões: se alguém achar que a nossa cultura não funciona, estou disposto a pagar o dobro do FGTS para essa pessoa sair. E isso não é por raiva ou ressentimento. É porque, simplesmente, não faz sentido manter alguém que não acredita no que estamos construindo. Sempre que novos sócios entram, aviso os antigos: se quiserem sair, tudo é resolvido no mesmo dia, sem problema algum.
Além disso, criamos no iFood um grupo chamado Bar Raiser: são 30 pessoas que, na nossa visão, representam perfeitamente a cultura da empresa. A partir de cargos de gerente, a última etapa do processo seletivo passa por eles. O candidato precisa conversar com um Bar Raiser, mesmo que seja de uma área completamente diferente. Essa entrevista não é técnica, ela serve exclusivamente para avaliar o fit cultural. E a decisão do Bar Raiser é soberana: se disserem que não combina, a pessoa não entra.
Se o Bar Raiser aprovar, eu entro em contato com o candidato. E, nessa conversa, faço questão de destacar todos os motivos pelos quais ele ou ela pode ser infeliz no iFood. A gente quer que a pessoa saiba exatamente onde está pisando, e que realmente queira estar aqui.
O iFood já é uma Big Tech brasileira. O que vem pela frente? Qual o próximo passo que vocês desejam alcançar? Ir para outros mercados?
O iFood é, antes de tudo, um investimento de longo prazo no Brasil. Por isso, não temos planos de internacionalizar. Desde o início, apostamos no enorme potencial do país e, hoje, consolidamos um ecossistema que movimenta mais de 120 milhões de pedidos por mês, gera milhares de oportunidades e tem impacto direto na economia local.
Para nós, a internacionalização não se trata de capacidade, mas de propósito e foco estratégico. O mercado brasileiro ainda oferece um espaço significativo para crescimento e inovação. Nossa atuação vai além do simples ato de entregar pedidos: transformamos o setor, desenvolvemos soluções logísticas e financeiras, apoiamos pequenos negócios e lideramos investimentos em tecnologia nacional. Essa postura nos tornou sinônimo de delivery no Brasil.
Por isso, concentrar nossas energias no Brasil é uma escolha estratégica e inteligente. É aqui que podemos aprofundar nossa atuação, gerar maior valor e, principalmente, promover impacto real em larga escala. Nosso foco é fazer mais, inovar mais e fortalecer a economia brasileira antes de pensar em expansão para além das fronteiras.
Muita gente ainda define o iFood como um app de delivery de comida, mas essa já não é mais a realidade. Queremos reforçar o novo posicionamento: a visão do iFood, que já vem sendo colocada em prática, é a de se tornar um on-to-off quick commerce, ou seja, a maior plataforma de conveniência multicategoria do Brasil.
Cerca de 25% dos pedidos do iFood já não passam mais por restaurante. Além disso, as outras verticais que não são de alimentação, como supermercado e farmácia, já representam 20% do total. Supermercado, por exemplo, cresce 5% mês a mês. Farmácia também vem crescendo de forma acelerada. O Clube iFood, programa de benefícios da plataforma, já conta com mais de 13 milhões de assinantes e oferece descontos e cupons exclusivos para restaurantes e outras verticais, como farmácias e mercados. Presente em toda a jornada do usuário no app, o programa amplia as possibilidades de economia no dia a dia. Um diferencial é a oferta de experiências que vão além do aplicativo, graças a parcerias com grandes marcas, como o Spotify.
Além disso, ampliamos a atuação para o mercado offline. A “entrada” do iFood no salão dos restaurantes tem como objetivo acelerar a solução de dores reais do setor, conectando a inteligência do online aos sistemas de gestão e operação dos estabelecimentos.
A recente parceria entre iFood e Uber representa um movimento inédito entre dois grandes players da mobilidade e delivery. Qual é a principal motivação por trás desse acordo, e como ele se alinha com a visão de futuro do iFood?
É um movimento estratégico que reforça nossa visão de futuro: ser a plataforma mais completa e integrada do país, conectando consumidores, estabelecimentos e entregadores com eficiência e inteligência. Juntas, as empresas ampliam de forma significativa as possibilidades de conveniência para os brasileiros.
Estamos atentos aos movimentos do setor e à chegada de novos players, mas essa parceria é, acima de tudo, uma resposta às mudanças no comportamento do consumidor. As pessoas buscam soluções mais ágeis, centralizadas e que simplifiquem o dia a dia. Ao integrar os restaurantes parceiros do iFood ao app da Uber, ampliamos nossa presença em um ambiente já familiar a milhões de brasileiros, criando um novo ponto de contato que gera mais oportunidades de receita para os nossos parceiros e mais praticidade para quem consome.
Essa iniciativa se soma a uma estratégia mais ampla, que vem sendo construída nos últimos anos: expandimos para verticais como mercado, farmácia, bebidas e pet shops, desenvolvemos soluções para o ponto físico e investimos em tecnologias que conectam o online ao offline. Também consolidamos uma atuação focada no Brasil, com impacto direto na economia e geração de empregos, e resultados concretos em logística, com entregas mais rápidas, previsíveis e eficientes.
Seguimos investindo em parcerias que façam sentido para o nosso ecossistema, sempre com o olhar atento às demandas reais do mercado. Acreditamos que o futuro do delivery e da conveniência será construído por quem consegue unir tecnologia, inteligência de dados e conhecimento profundo do território onde atua. E é exatamente isso que estamos fazendo.
Quem é o Diego fora do trabalho?
Sou um cara que, nos finais de semana, quando está em São Paulo ou vai para o interior, onde tenho uma casa, anda descalço. Vou até na rua descalço, levo as crianças para a praça descalço. Essa é minha raiz. A pessoa que eu mais amei na vida foi meu avô, e é assim que eu me lembro dele. Não sou um cara fresco. Claro que gosto do meu tênis bonitão e a minha casa é legal, mas sou simples.
Eu passo o final de semana com a minha família. Quando meus filhos têm aula de tênis aos sábados, fico lá esperando e recolhendo as bolinhas. E viajo com eles de ônibus para Uberaba, enfrentando oito horas de viagem.
Além disso, sou maníaco por livros – leio, no mínimo, dois por mês. Estudo bastante porque gosto muito. Também sou louco por política, com a vontade de transformar este país. Para mim, a nova economia, incluindo o iFood, é justamente isso: criar um negócio que gere mais oportunidades para as pessoas.
Detesto networking com todas as minhas forças. No meu condomínio, por exemplo, não aceito convite para almoçar ou jantar com pessoas, a não ser aquelas de quem realmente gosto e conheço. Não quero ser amigo de quem não sou amigo, nem quero amizade sem empatia. Gosto de pessoas de forma genuína e não por interesse.
Como você faz para organizar a rotina e administrar tantas tarefas pessoais e profissionais?
Não gosto de dormir, então acordo às 5h. Talvez isso tenha a ver com o fato de que eu não acredito em vida após a morte. Toda vez que durmo e não sonho, sinto que é isso o que vai acontecer depois. Por isso, tenho essa sensação de que preciso viver e aproveitar. A escrita dos livros, a academia, tudo o que faço fora do trabalho acontece entre 5h e 9h da manhã.
Minha agenda tem pouquíssimas reuniões. A maioria das interações não precisa de uma reunião, e sim de uma troca de informação. Criamos uma dinâmica que funciona muito bem com comunicação assíncrona. A gente envia vídeos, usa o Slack e só marca reunião quando realmente precisa sentar, discutir e decidir logo na sequência. Isso tornou tudo mais ágil.
Raio X – Diego Barreto
Um fim de semana ideal tem… iFood. Todo fim de ano, costumo estar entre os nossos 10 maiores usuários. Também aproveito esses momentos para aprender, como quando comecei a surfar com meus filhos.
Um livro: “Hit Refresh”, de Satya Nadella, Jill Tracie Nichols e Greg Shaw, com prefácio de Bill Gates.
Uma música: “A Sky Full of Stars”, originalmente do Coldplay, mas na versão do filme “Sing 2”.
Uma mania: Fico mexendo no meu cabelo. É uma maneira que tenho para raciocinar profundamente.
Melhor qualidade: Eu me envolvo genuinamente com as pessoas de quem gosto.
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