Em uma madrugada de 2014, Alexa Souza desmontava um rádio quebrado na pequena sala da casa onde morava com os pais em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. O aparelho, resgatado da loja de eletrônicos do pai, não tinha conserto, mas servia como laboratório improvisado para uma menina fascinada por tecnologia.
Na adolescência, Alexa já tinha uma rotina extenuante. Saía de casa às seis da manhã para um curso técnico no Senac e voltava às 23h. O tempo de deslocamento era gasto devorando apostilas e tutoriais de segurança cibernética. Foi nesse período que aprendeu, sozinha, a invadir sistemas.
Filha de trabalhadores que se revezavam para manter a casa e a comida na mesa, cresceu cercada por desafios. A realidade da violência urbana a acompanhava no trajeto diário entre casa e escola. “Um dia meu pai percebeu que iam nos assaltar. Tivemos de dar a volta, mudar o caminho. Isso ficou na minha cabeça, porque ele sempre fez de tudo para garantir que eu tivesse uma educação melhor”, lembra.
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Encontro com a cibersegurança
A oportunidade surgiu com uma bolsa de estudos, e Alexa agarrou com afinco. O interesse por cibersegurança veio cedo. Aos 16 anos, participava de competições de Capture The Flag (CTF), desafios em que hackers testam suas habilidades encontrando brechas em sistemas. Com sua equipe, ficou entre os 15 melhores do mundo no ranking da plataforma Hack the Box.
Aos 17 anos, obteve a certificação Offensive Security Certified Professional (OSCP), um dos mais cobiçados títulos para pentesters – profissionais especializados em testar a segurança de redes e aplicativos. O esforço não passou despercebido. Ainda adolescente, Alexa conseguiu seu primeiro emprego formal na área.
A rotina, no entanto, era exaustiva. Cinco horas diárias no transporte público para trabalhar no centro do Rio de Janeiro. O salário, apertado, era direcionado para pagar novas certificações. “Via todo mundo falando que segurança da informação era um mercado promissor, mas ninguém dizia como era difícil entrar. Sem certificação, você não passa nem da triagem de currículo”, conta.
Mulher trans e autista na tecnologia
Além dos desafios financeiros e acadêmicos, Alexa precisou lidar com outro obstáculo: ser uma mulher trans em um setor predominantemente masculino. “Sabia que, para conquistar respeito, precisava ser tecnicamente impecável. Não havia espaço para erro”, diz.
Alexa também foi diagnosticada com autismo na vida adulta, o que ajudou a explicar muitas das dificuldades que enfrentou ao longo da carreira. “A comunicação sempre foi um desafio para mim. No começo, palestrar em grandes eventos era aterrorizante. Mas eu aprendi que, assim como na cibersegurança, o medo se vence com repetição e preparo.”
A criação da ViperX
A mudança para São Paulo, aos 19 anos, trouxe novas oportunidades. Rapidamente, ganhou notoriedade no mercado ao identificar vulnerabilidades críticas em softwares populares. Uma delas, encontrada em um plugin do WordPress utilizado por mais de 700 mil sites, poderia ter sido explorada por hackers mal-intencionados para comprometer dados de usuários. “Achei a falha em menos de duas horas. Olhei e pensei: ‘isso é triste’. Era um erro básico, mas que poderia causar um estrago enorme”, diz.
Mesmo com uma carreira consolidada, faltava algo. “Sempre tive o sonho de empreender, de criar algo meu”, afirma. O desejo se concretizou com a ViperX, empresa de cibersegurança que fundou ao lado de Gabriel Paiva e Caio Conrado. A startup promete uma abordagem agressiva de testes de invasão, simulando ataques reais para antecipar vulnerabilidades antes que criminosos digitais as descubram.
Alexa assumiu o cargo de CTO. Para ela, a ViperX não é apenas um negócio, mas um projeto de vida. “Hackers pensam diferente. Não vamos um sistema e aceitamos que ele é seguro. Provocamos, questionamos, desmontamos para entender onde está a falha. Foi assim que aprendi a viver, e é isso que quero levar para a empresa”, conclui.
Futuro e os novos desafios
Empreender, no entanto, trouxe um aprendizado inesperado: a necessidade de pausar. “No começo, eu trabalhava o tempo todo. Só depois entendi que, se eu não estivesse bem, a empresa também não estaria.” Aprendeu a delegar, a equilibrar o rigor técnico com a leveza de uma vida fora das telas.
Agora, o próximo passo é a internacionalização. “Não queremos ser uma empresa grande só aqui. Queremos competir globalmente.” Alexa fala com a certeza de quem atravessou obstáculos que pareciam intransponíveis. Mesmo ainda jovem, já viu o que o mundo real tem a oferecer. E sabe que nada vem sem luta.
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