Skip to main content
Notícias

Cláusula de earn-out: solução ou armadilha?

By 31 de janeiro de 2025No Comments
Cláusula de earn-out
Cláusula de earn-out

*Por João Gurgel e Pedro Vidigal

Definir o preço de uma empresa é, frequentemente, um dos maiores desafios em uma negociação de compra e venda. Não é raro que operações de M&A sejam interrompidas ou até fracassem porque comprador e vendedor não conseguem chegar a um consenso. De um lado, o comprador busca reduzir ao máximo o risco e o custo da operação; de outro, o vendedor deseja ser justamente remunerado pelo valor que acredita que sua empresa pode gerar no futuro.

Para equilibrar esses interesses, muitos recorrem ao earn-out, um mecanismo que atrela parte do preço da operação ao desempenho futuro da empresa. Embora pareça uma solução ideal para conciliar expectativas, o earn-out pode facilmente se transformar em um problema, gerando conflitos e complicando o relacionamento entre as partes.

Neste artigo, explicamos o que é o earn-out, como ele funciona, seus principais riscos e como estruturar essa cláusula para proteger os interesses de todas as partes envolvidas.

O que é o earn-out?

O earn-out é um dos principais mecanismos utilizados para negociar o preço em operações de M&A. Ele funciona como uma cláusula que condiciona o pagamento de uma parcela adicional do preço ao cumprimento de metas específicas de desempenho pela empresa após a venda.

Na prática, o earn-out é uma forma de lidar com a incerteza. O vendedor, que acredita no futuro promissor da empresa, tem a oportunidade de ser remunerado por esse crescimento projetado. Já o comprador, por sua vez, ganha uma espécie de “seguro”, pagando parte do preço apenas se as metas forem atingidas, o que reduz seu risco inicial.

As metas que compõem o earn-out podem variar dependendo da natureza do negócio e das prioridades das partes envolvidas. Faturamento, lucro líquido, número de novos clientes e crescimento em mercados específicos são exemplos comuns de métricas utilizadas.

Além de servir como uma solução financeira, o earn-out também pode ser um incentivo estratégico. Quando o vendedor permanece na operação após a transação, ele tende a manter o engajamento e a contribuir ativamente para o sucesso da empresa, especialmente se seu ganho financeiro depender disso.

Riscos da cláusula de earn-out

Embora o earn-out seja atraente em teoria, sua implementação prática apresenta desafios significativos. Não à toa, é uma das cláusulas que mais gera litígios em operações de M&A.

Um dos principais riscos decorre da dificuldade em estabelecer critérios claros e objetivos para o earn-out. Muitas vezes, métricas como lucro líquido, que aparentam ser evidentes, podem gerar diferentes interpretações, especialmente quando sujeitas a decisões contábeis, alocações de custos ou mudanças operacionais promovidas pelo comprador após a aquisição. A ausência de definições precisas aumenta a possibilidade de disputas e coloca em risco o sucesso do mecanismo.

Outro ponto crítico está nas condições pós-operação, especialmente quando o vendedor permanece na gestão da empresa. Diferenças culturais, de estilo de liderança ou até conflitos pessoais podem deteriorar a relação entre as partes, prejudicando o desempenho do negócio e dificultando o alcance das metas estipuladas. Assim, o que deveria ser um alinhamento de interesses pode rapidamente se transformar em uma fonte de tensão e ineficiência.

Além disso, o earn-out está sujeito ao risco de má-fé. O comprador, por exemplo, pode deliberadamente adotar medidas que dificultem o cumprimento das metas para evitar o pagamento adicional. Por outro lado, o vendedor, visando maximizar seu ganho, pode priorizar resultados de curto prazo em detrimento de decisões estratégicas que assegurariam o crescimento sustentável da empresa.

Outro risco importante é a perda ou vencimento antecipado do direito ao earn-out. Muitas vezes, contratos preveem hipóteses específicas que condicionam ou eliminam o pagamento, como no caso do desligamento do vendedor da empresa, com ou sem justa causa. Esse tipo de disposição deve ser claramente alinhado entre as partes para evitar mal-entendidos ou expectativas frustradas, garantindo que o vendedor esteja ciente de que cenários específicos podem impedir o recebimento integral do valor acordado.

Casos emblemáticos demonstram o impacto desses riscos. Um exemplo recente que agitou o mercado é o conflito entre a Kabum e o Magazine Luiza (Magalu). Na operação que formalizou a venda da plataforma de varejo eletrônico para a Magalu, foi incluída uma cláusula de earn-out vinculada à emissão de bônus de subscrição — título que outorga o direito de adquirir ações da empresa dentro de um prazo e a um preço previamente definidos — condicionados ao cumprimento de metas de performance.

Após a conclusão da operação, as ações da Magalu sofreram uma desvalorização superior a 70%, reduzindo significativamente o valor do earn-out. Diante desse cenário, os fundadores da Kabum buscaram a anulação do negócio, alegando que a Magalu não cumpriu obrigações contratuais e que houve favorecimento à Magalu pelo assessor financeiro durante o processo de venda, em detrimento de outras potenciais propostas. A situação escalou, levando a Magalu a destituir os fundadores da Kabum de suas funções na gestão da empresa. O conflito, com cifras bilionárias, segue sem desfecho até o momento, trazendo atenção para os desafios de estruturar e executar um earn-out.

Como estruturar uma cláusula de earn-out com segurança?

Antes de incluir uma cláusula de earn-out, é essencial avaliar se ela é realmente a melhor alternativa para atender aos objetivos da negociação. Em algumas situações, outros mecanismos podem ser mais eficientes e menos propensos a gerar conflitos.

Se a cláusula for considerada apropriada, o próximo passo é definir claramente os critérios e métricas que servirão de base para o earn-out. Esses parâmetros devem ser transparentes e compreendidos por ambas as partes, garantindo alinhamento de expectativas e minimizando o risco de disputas.

Também é fundamental estabelecer um procedimento para verificar o cumprimento das metas. Em caso de divergências, recomenda-se prever a realização de auditorias por terceiros independentes, o que contribui para solucionar impasses de maneira imparcial.

Para vendedores que permanecem na empresa após a operação, é crucial garantir que eles tenham autonomia suficiente para gerenciar o negócio e alcançar as metas estipuladas. Sem essa liberdade, o cumprimento das metas pode se tornar inviável, gerando insatisfação e conflitos.

Por fim, todas as condições negociadas devem ser refletidas no contrato de compra e venda com uma redação precisa e detalhada. Isso evita interpretações ambíguas e assegura a segurança jurídica da operação, protegendo os interesses de ambas as partes.

Conclusão

A cláusula de earn-out pode ser uma ferramenta valiosa na negociação do preço em operações de M&A. Quando bem estruturada, ela oferece benefícios tanto para o comprador quanto para o vendedor, promovendo alinhamento de interesses e flexibilidade na transação.

No entanto, devido aos riscos inerentes a esse mecanismo, é indispensável contar com uma assessoria jurídica especializada. Um acompanhamento qualificado ajuda a mitigar potenciais conflitos, garantindo maior segurança para todas as partes envolvidas e o sucesso da operação.

Se você deseja saber mais sobre o tema ou tem demandas relacionadas, nossa equipe está à disposição para atendê-lo!

Para saber mais sobre o Freitas Ferraz Advogados, consulte nosso site e não deixe de nos acompanhar no LinkedIn e no Instagram!

O post Cláusula de earn-out: solução ou armadilha? apareceu primeiro em Startups.