Estamos perto de uma nova era na inteligência artificial. À primeira vista, essa frase pode parecer um disparate – ainda mais em um momento em que surgem tantos avanços na tecnologia que a maioria das pessoas mal consegue acompanhá-los. A verdade é que enquanto muitos ainda se acostumam a utilizar os sistemas de IA generativa, popularizados após a introdução do ChatGPT, em novembro de 2022, uma onda de novos sistemas está emergindo rapidamente: os agentes de inteligência artificial, que vão dar impulso à chamada IA 3.0. Mais sofisticados, eles serão capazes de combinar diferentes sistemas e conversar entre si, sendo capazes de cuidar de tarefas corriqueiras, mas trabalhosas atualmente, como solicitar a devolução de uma compra online.
Antes de avançarmos, vale a pena pensar um pouco sobre o que é inteligência artificial e como ela evoluiu nos últimos tempos. Como alguém que acompanha e trabalha com a IA há duas décadas, acho importante traçar essa evolução.
O primeiro passo é entender que, do ponto de vista técnico, existem dois tipos de sistemas computacionais: um modelo que é programável e mais determinístico, enquanto o outro está acostumado a trabalhar com aproximações e padrões, dentro de modelos estatísticos e de aprendizado. As inteligências artificiais pertencem a esse segundo modelo, e vêm sendo desenvolvidas há várias décadas.
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Histórico. A primeira onda de IA busca utilizar sistemas estatísticos e regras para aproximar e prever comportamentos que um computador não consegue resolver de maneira determinística – como, por exemplo, o uso de um corretor gramatical e sua capacidade de entender se uma palavra tem acento por ser um verbo ou substantivo. São sistemas especialistas, muito úteis e utilizados até hoje para funções importantes na sociedade, como uma plataforma de análise de crédito.
Já a segunda onda de IA trabalha com modelos mais robustos não só de estatística, mas também de aprendizado de máquina – ou seja, com uma máquina que não só entende os padrões, mas também aprende com eles. É uma tecnologia cujo desenvolvimento levou duas décadas para se desenrolar, começando com sistemas rudimentares que faziam análise de sentimento via aprendizado de máquina ou classificações de imagens. Parte dessa evolução teve de enfrentar obstáculos como o custo de processamento computacional e a capacidade de enfrentar grandes bancos de dados, sendo superados ao longo dos tempos.
Foi um longo caminho até chegarmos aonde estamos hoje com a IA generativa, na qual é possível ter modelos que abstraem problemas por um treinamento massivo, usando uma grande quantidade de dados, que se traduzem em uma estrutura de dezenas de bilhões de parâmetros representando grande parte do conhecimento humano e da natureza, em várias modalidades. E é graças a esses parâmetros que sistemas como o ChatGPT, chamados de LLMs (large language models, ou grandes modelos de linguagem, em bom português), podem responder a quaisquer perguntas feitas pelas pessoas. Evidentemente, nem sempre a resposta será a correta, uma vez que o sistema pode não conter um contexto específico.
A era em que vivemos já traz inúmeras possibilidades interessantes para o uso da tecnologia. O primeiro é seu rápido desenvolvimento: se antigamente era preciso equipes de especialistas em técnicas específicas, hoje a IA se desenvolve a olhos vistos – e permite que mesmo pessoas não especializadas na área sejam capazes de criar novos sistemas. O segundo ponto é que esse desenvolvimento também é turbinado pelo fato de cientistas e desenvolvedores no mundo todo estarem focados em uma corrida por novas soluções. Outro fator importante é que a facilidade de uso permite que o desenvolvimento de novas aplicações seja feito com ajuda da IA generativa, o que permite entrega de valor rápida, em excelente uso para prototipação. No entanto, nem sempre esse tipo de aplicação será o ideal quando for necessário ganhar escala.
Há motivos para isso – e o primeiro é que sistemas de IA generativa são, em um vocabulário bem simples, sistemas que “cospem” próximos caracteres. Eles não possuem em si uma inteligência própria, mas a capacidade de atuar com base em um padrão, nem sempre sendo capazes de explicar bem o que estão fazendo. O sistema de IA generativo tem, por natureza, uma lacuna de explicabilidade.
Além disso, são plataformas baseadas em modelos poderosos, com custo alto de processamento, o que pode não ser a solução mais eficiente do ponto de vista econômico para qualquer problema. É uma questão importante porque, a despeito dos avanços tecnológicos, não haverá substituição de sistemas, mas sim uma complementaridade de soluções. Elas coexistirão em termos de ajustes para melhorar aspectos como velocidade, execução ou atendimento para clientes, por exemplo.
Agentes. Se hoje muitas pessoas já questionam a forma como humanos e máquinas podem interagir, a próxima fase da evolução tecnológica será ainda mais impactante com a chegada dos agentes de IA. Hoje ainda rudimentares, eles são programados para tarefas específicas. Um sistema conversacional projetado para gerenciar devoluções de compras online, por exemplo, requer conexão a múltiplas plataformas. Para funcionar, ele precisa de acesso ao histórico de pedidos, às políticas da empresa e aos sistemas logísticos para gerar um código de devolução. Todo esse processo depende de desenvolvedores configurando manualmente como os sistemas irão interagir .
Contudo, o futuro aponta para agentes mais autônomos e adaptáveis. “2025 será o ano dos agentes”, apostou recentemente Sam Altman, CEO da OpenAI, prometendo lançamentos para breve. Um exemplo inicial e que já está entre nós é o sistema Claude AI, da rival Anthropic, que permite que agentes rudimentares resolvam problemas interagindo com um computador da mesma forma como humanos interagem: lendo a tela, clicando com um mouse e digitando no teclado. Eles podem ser usados para inúmeras tarefas, desde marcar consultas médicas até a criação de softwares complexos.
Esses agentes não apenas acessam informações, mas também desenvolvem estratégias para solucionar questões complexas. Esses avanços prenunciam uma nova era, onde agentes serão capazes de operar em ecossistemas organizacionais amplos, agindo como “funcionários digitais” que integram múltiplos sistemas, tomam decisões e até resolvem problemas sem supervisão direta.
A evolução dos agentes também inclui o conceito de agentes coordenadores, que poderão gerenciar outros sistemas e até mesmo outros agentes. No futuro, empresas poderão operar com equipes mistas, formadas por humanos e agentes digitais, criando uma dinâmica em que os agentes assumem tarefas operacionais e estratégicas, enquanto as pessoas supervisionam e coordenam os processos. Além disso, cada indivíduo terá que aprender papéis de liderança, compreendendo que tarefas podem ser delegadas às máquinas ou precisam passar por realização humana. Será um novo paradigma com o qual as empresas terão de aprender a lidar.
É um cenário que, inclusive, tem implicações que podem se estender para o mundo físico: se hoje um robô aspirador é ainda bastante simples na maneira como executa suas tarefas, no futuro ele poderá conversar rapidamente com a inteligência artificial central da casa para saber como deve limpar o ambiente, por exemplo. Com autonomia própria e capacidade de executar tarefas variadas, esses agentes domésticos podem funcionar até mesmo como uma versão moderna da robô Rosie, de Os Jetsons, abrindo novos capítulos na relação entre humanos e máquinas.
A IA 3.0 marca o início de uma era em que a IA deixa de ser apenas uma ferramenta e passa a atuar como um parceiro estratégico. Com o avanço dos agentes, estaremos cada vez mais próximos de sistemas que não apenas executam comandos, mas também pensam, planejam e entregam soluções de forma autônoma e integrada. A grande promessa dessa nova fase é a de que a inteligência artificial não será apenas mais uma tecnologia – será uma transformação completa na forma como vivemos e trabalhamos. É bom se preparar.
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