A multinacional de tecnologia Alphabet, dona do Google, vem intensificando suas ações em todo o mundo para promover uma melhor compreensão sobre inteligência artificial (IA).
De acordo com informações divulgadas pela agência de notícias Reuters, a empresa pretende capacitar tanto o público em geral quanto formuladores de políticas públicas, a fim de moldar percepções e influenciar a regulação de IA em diversos países.
Esse esforço, que inclui um investimento de US$ 120 milhões em programas de educação, surge em um momento em que Google e outras grandes corporações de tecnologia enfrentam olhares cada vez mais rigorosos de autoridades internacionais acerca de questões relativas à privacidade, direitos autorais e possíveis monopólios digitais.
A tônica principal, segundo executivos da companhia, consiste em ampliar o acesso a recursos de formação e em aumentar a familiaridade de governos e da população com as ferramentas baseadas em IA. Ken Walker, presidente de assuntos globais da Alphabet, declarou à Reuters que uma das chaves para políticas mais adequadas está em difundir o uso de sistemas inteligentes em diferentes setores da sociedade.
“Quando mais pessoas e organizações – incluindo governos – utilizam esses recursos, geramos ciclos positivos. Isso abre oportunidades e leva a melhores práticas de regulação”, afirmou Walker. Ele ressalta que a familiaridade com a IA tende a reduzir medos infundados, ao mesmo tempo em que evidencia, de forma mais concreta, os pontos de atenção e eventuais riscos que exigem supervisão cuidadosa.
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O interesse do Google em conduzir a narrativa e as políticas de inteligência artificial não está dissociado do forte escrutínio regulatório ao qual a empresa se encontra submetida. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça (DOJ) trava disputas judiciais para discutir práticas anticompetitivas, principalmente em relação ao mercado publicitário e ao domínio do buscador Chrome, levantando a hipótese de uma cisão forçada do negócio de anúncios ou do próprio navegador, dependendo da evolução dos casos.
Embora ainda seja incerto o desfecho desses processos, analistas apontam que o crescente interesse regulatório em IA poderia se somar às preocupações já existentes. Nesse sentido, o Google vem se preparando para eventuais exigências adicionais, sejam de autoridades norte-americanas, sejam de reguladores internacionais.
IA na União Europeia
Na União Europeia, a companhia também enfrenta questionamentos relacionados à sua posição no mercado de anúncios digitais. Segundo a Reuters, o Google chegou a oferecer a venda de parte de suas operações de tecnologia de anúncios para aplacar as preocupações de Bruxelas.
Porém, a complexidade do contexto não para por aí: o bloco europeu avança em propostas como o chamado Ato de IA da UE (EU AI Act), que propõe um framework de avaliação de riscos e a obrigatoriedade de maior transparência no uso de sistemas de inteligência artificial. Empresas que violarem essas novas regras podem enfrentar multas bilionárias, o que acende o alerta não só para o Google, mas também para outras gigantes do setor, como Microsoft, OpenAI e Meta.
Enquanto lidam com esses cenários de incertezas regulatórias, as empresas de tecnologia travam entre si uma verdadeira corrida pela dianteira em soluções de IA. O Google busca criar serviços e plataformas mais robustos, competindo especialmente com a parceria Microsoft-OpenAI e com a Meta. Para assegurar protagonismo, a empresa tem em mente não apenas o lado técnico, mas também o lado político e social.
Capacitação em IA
A movimentação para capacitar pessoas, governos e demais organizações na compreensão de sistemas de IA é vista como um componente estratégico fundamental, já que, quando há mais conscientização, políticas públicas tendem a ser moldadas de forma menos restritiva e mais aberta à inovação.
Nessa estratégia global de educação, Sundar Pichai, CEO do Google, anunciou em setembro a criação de um fundo de US$ 120 milhões dedicado a programas de formação em IA. A iniciativa foi endossada por executivos como Ruth Porat, que atua como presidente e diretora de investimentos da companhia, e que vem realizando viagens a diversos países para discutir os rumos da regulação de IA com autoridades locais.
A mensagem transmitida é que, ao investir em educação e parcerias público-privadas, a empresa também contribui para amenizar as possíveis consequências negativas que a adoção ampla de sistemas inteligentes pode trazer, como a eliminação de postos de trabalho.
Ken Walker, em conversa com a Reuters, reforçou que, apesar do temor de que a IA possa substituir grande parte dos empregos atuais, algumas pesquisas, inclusive as encomendadas pelo própria Google, indicam que a maioria das profissões não será totalmente extinta, mas sim transformada pela adoção de ferramentas automatizadas. Dessa forma, surge uma demanda crescente por capacitação: quem não se adaptar corre o risco de ficar para trás em um mercado de trabalho em constante mutação. Assim, a Google considera essencial investir em iniciativas que não apenas transmitam conhecimento técnico, mas que também auxiliem na obtenção de certificações reconhecidas no mercado.
O programa “Grow with Google”, por exemplo, busca preencher essa lacuna oferecendo cursos on-line e presenciais, focando em habilidades que incluem análise de dados e suporte em TI – competências cada vez mais requisitadas em mercados digitais. Em dezembro, a companhia anunciou que cerca de 1 milhão de pessoas haviam obtido certificados por meio dessa plataforma.
A ideia é agora integrar conteúdos mais específicos sobre IA, projetados inclusive para professores do ensino fundamental e médio. Segundo Lisa Gevelber, que coordena o projeto, a expectativa é de que, ao introduzir noções de aprendizado de máquina e automação em fases iniciais do processo educacional, as futuras gerações entrem no mercado de trabalho já familiarizadas com as ferramentas que provavelmente se tornarão ubiquidade.
Entretanto, Walker reforça que a formação não se resume a assistir a aulas virtuais. Para ele, o que verdadeiramente importa é dar objetivos práticos às pessoas, como certificados e credenciais que efetivamente as encaminhem para oportunidades profissionais.
Nesse sentido, a gigante de Mountain View aposta ainda em parcerias com instituições de ensino superior e com governos locais. Um exemplo destacado por Walker é o “Skilled Trades and Readiness Program”, cujo foco é formar trabalhadores para a construção de data centers, infraestrutura crucial para a expansão dos serviços de computação em nuvem, incluindo aqueles que sustentam a IA.
Além de oferecer cursos para eletricistas, encanadores e outros profissionais da construção civil, o programa está começando a incorporar conteúdos ligados à inteligência artificial. A proposta é que todos – de engenheiros de rede a funcionários responsáveis pela manutenção – entendam, mesmo que em nível básico, o que é e como funciona a IA aplicada.
A motivação é clara: políticas governamentais costumam levar em conta resultados bem-sucedidos de programas-piloto. Ao mostrar que é possível capacitar grandes contingentes de trabalhadores para atuar em áreas de infraestrutura de IA, o Google espera conquistar maior simpatia de autoridades e, possivelmente, influenciar a regulamentação que afeta o setor. “Se conseguirmos demonstrar que esse tipo de parceria público-privada gera bons resultados, tanto em empregabilidade quanto em estímulo à inovação, isso pode se tornar um modelo amplificado em âmbito federal”, diz Walker.
Paralelamente, a empresa contratou o economista David Autor, do MIT, como pesquisador visitante, para analisar o impacto que a IA poderá ter no mercado de trabalho em escala global. Em entrevista, Autor ressaltou que tecnologias de realidade virtual e simulações em IA podem aprimorar programas de treinamento, tornando-os mais dinâmicos e práticos, algo semelhante aos simuladores usados para a formação de pilotos de avião. “O histórico de iniciativas para requalificação de adultos não é dos mais positivos. Normalmente, as pessoas não querem voltar para a sala de aula convencional. Precisamos encontrar métodos que tornem o aprendizado mais imersivo e conectado à realidade do trabalho”, explicou.
A longa lista de desafios, portanto, inclui não apenas a superação de tensões regulatórias e eventuais disputas antitruste, mas também a necessidade de unir forças com governos e centros educacionais para minimizar os impactos da automação no emprego.
Se, por um lado, a inteligência artificial traz ganhos de produtividade e novas oportunidades, por outro, reforça incertezas sobre a segurança de dados, possíveis vieses em algoritmos de decisão e a substituição de tarefas humanas em larga escala. Nesse ínterim, o Google busca consolidar-se como um participante ativo e responsável, promovendo treinamentos que ampliem a compreensão pública sobre essas inovações e ajudem a estabelecer políticas que considerem não apenas aspectos empresariais, mas também sociais.
Contudo, será preciso mais do que boa vontade para superar a turbulência regulatória que se avizinha. À medida que as leis de IA avançam na Europa e em outros continentes, a fiscalização tende a se tornar mais intensa, e as consequências de eventuais violações de privacidade ou uso indevido de dados poderão ser severas. Governos, por sua vez, terão de equilibrar a necessidade de promover a inovação com a responsabilidade de proteger seus cidadãos de práticas abusivas ou de riscos à segurança. Nesse cenário, a postura proativa do Google – investindo em formação e estabelecendo pontes com setores públicos e privados – pode ser vista como um esforço tanto para democratizar o acesso às tecnologias quanto para atenuar a resistência às suas próprias ambições comerciais.
Em última análise, conforme ressaltado pela Reuters, o Google está construindo uma narrativa na qual a aprendizagem e a familiaridade com a IA são fatores cruciais para uma regulação equilibrada e eficaz. Entre o temor de uma possível revolução que torne obsoletos vários empregos e o entusiasmo pelos benefícios de sistemas cada vez mais inteligentes, empresas, governos e sociedade civil têm a tarefa de delinear como será o futuro do trabalho e da inovação.
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