O segundo mandato de Donald Trump à frente da presidência dos Estados Unidos completa 100 dias nesta terça-feira (29). Desde que retornou à Casa Branca, o líder norte-americano colocou em curso algumas das mais significativas mudanças para a economia global em décadas, impactando diversos setores. O setor de tecnologia, como o noticiário do IT Forum tem mostrado desde o início do ano, esteve no centro da tempestade.
Mas, passados pouco mais de três meses do início de seu governo, a sensação no setor ainda é de incerteza. Da guerra comercial iniciada em escala mundial – e mais especificamente com a China – aos anúncios de investimentos bilionários em áreas como energia e infraestrutura para inteligência artificial (IA), foram diversas as ações que afetaram o segmento.
Há, no entanto, poucas garantias sobre quais das medidas tomadas até agora irão adiante e quais poderão retroceder. Na prática, isso tem colocado muitas empresas – e governos – ao redor do mundo em uma espécie de “stand-by” nas relações com os Estados Unidos, aguardando definições antes de tomar decisões relevantes.
“O marco dos 100 dias é útil do ponto de vista legislativo, mas o cenário é volátil demais para avaliar os impactos no mercado de tecnologia”, aponta um porta-voz da agência de risco S&P Global, contactada pelo IT Forum para comentar sobre o tema. Ainda que os próximos passos da gestão Trump permaneçam incertos, neste texto enumeramos os principais impactos já sentidos pelo mercado global de tecnologia – assim como possíveis reverberações para o Brasil.
Trump põe tarifas no centro do debate
Desde o primeiro dia de seu segundo mandato, Donald Trump deixou claro que o setor de tecnologia estaria no centro da gestão. Em sua cerimônia de posse, realizada no Capitólio em 20 de janeiro, líderes das ‘big techs’ como Mark Zuckerberg, da Meta, Jeff Bezos, fundador da Amazon, Sundar Pichai, CEO do Google, e Elon Musk, da Tesla e X, estavam em assentos privilegiados, ao lado dos membros do gabinete de Trump. Foi também nesta data que o presidente sinalizou que tarifas comerciais seriam uma das estratégias de seu governo para compensar o que considerava uma balança comercial desfavorável para os EUA no comércio internacional.
Nos primeiros meses de governo, Trump entrou em disputas comerciais com parceiros como Canadá e México. O grosso das tarifas, no entanto, veio no dia 2 de abril, quando os EUA anunciaram uma série de novas taxas para importações de praticamente todas as nações. O Brasil não esteve entre os mais afetados – na ocasião, as tarifas para o país ficaram em 10%. A China, um dos principais polos globais de produção de tecnologia, porém, sofreu novas tarifas de 34% – além de outras já anunciadas anteriormente.
Na ocasião, Trump declarou que a medida visava estimular a manufatura doméstica, impondo taxas artificiais a produtos importados na tentativa de atrair mais empresas para os Estados Unidos. O efeito imediato, contudo, foi negativo – especialmente para o setor de tecnologia. Naquele mesmo dia, companhias do segmento perderam bilhões em valor de mercado. Tesla, Nvidia, Meta e Amazon estiveram entre as mais impactadas. A Apple, que possui linhas de produção em países como China, Taiwan, Índia e Vietnã, ficou no olho do furacão: em apenas um dia, mais de US$ 250 bilhões em valor de mercado evaporaram.
Nos dias seguintes, o conflito tarifário escalou com a China, que retaliou impondo taxas próprias sobre produtos norte-americanos. Após múltiplos aumentos de ambos os lados, as tarifas chegaram a 125%.
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Diante do impacto negativo no setor de tecnologia, em 12 de abril, a administração dos EUA anunciou uma pausa de 90 dias nas tarifas e a exclusão de alguns produtos da lista de taxação. Smartphones, computadores e outros eletrônicos foram liberados. No dia seguinte, Howard Lutnick, secretário de Comércio dos EUA, afirmou, entretanto, que a suspensão seria temporária, e que as tarifas retornariam “em um ou dois meses”. Por ora, a incerteza permanece.
O cenário levou empresas a se movimentarem para evitar prejuízos. Segundo o Gartner, as remessas mundiais de PCs alcançaram 59 milhões de unidades no primeiro trimestre de 2025, aumento de 4,8% em relação ao mesmo período de 2024. Nos Estados Unidos, o crescimento foi ainda maior (12,6%), totalizando 16 milhões de unidades nos três primeiros meses deste ano. De acordo com a consultoria, as tarifas impostas por Trump foram as principais responsáveis pelo resultado.
“Nos Estados Unidos, o mercado de PCs teve um aumento nas remessas, pois os fornecedores elevaram o estoque em antecipação aos anúncios de tarifas”, explicou, em comunicado, Rishi Padhi, diretor de pesquisa do Gartner, na ocasião.
A gigante de chips Nvidia também agiu, anunciando em 16 de abril que fabricará, pela primeira vez, supercomputadores de IA nos Estados Unidos. As fábricas da empresa seriam instaladas no Texas e no Arizona, em parceria com organizações como TSMC, Foxconn e Wistron. Jensen Huang, fundador e CEO da Nvidia, afirmou que o movimento ajudaria a companhia a “atender melhor à incrível e crescente demanda por chips e supercomputadores de IA”, além de fortalecer a cadeia de suprimentos e aumentar a resiliência da organização.
Neste momento, entretanto, a incerteza sobre o tema persiste – impactando também o mercado de TI. “O desafio é que o mercado de TI responde em uma escala de tempo mais longa. Há um impacto das tarifas, mas os planos de aquisição estão apenas começando a ser revisados. Os consumidores se adaptam rapidamente, mas as empresas precisam negociar em mercados mais complexos”, diz a S&P.
Impactos para a América Latina e Brasil
Ainda na esteira das tarifas, o cenário permanece nebuloso para as economias da América Latina, incluindo o Brasil. Boa parte dos países da região não foi impactada pelo grosso das novas tarifas anunciadas por Trump no início de abril – a regra básica dos 10% foi aplicada a grandes economias como Argentina, Brasil e Chile. Ainda assim, para Patrícia Krause, economista da Coface para a América Latina, a política comercial dos Estados Unidos tem provocado forte volatilidade cambial, dificultando a previsibilidade para as empresas.
Em relação ao comércio, a especialista observa que o México é o país mais vulnerável às mudanças, já que cerca de 80% de suas exportações – o equivalente a um terço do seu PIB – tem como destino os EUA. Argentina, Brasil, Chile, Peru e Equador, no entanto, têm o efeito mitigado pela menor representatividade relativa dos EUA em suas exportações. Ainda existem efeitos secundários para esses países, como uma possível desaceleração da economia mundial, redução dos preços de commodities e redirecionamento das exportações chinesas dos EUA para a América Latina.
Apesar dos desafios e do efeito líquido negativo para as economias da região decorrente da escalada das tensões comerciais, há segmentos que podem se beneficiar deste cenário. “O setor agrícola é um exemplo. Durante o primeiro mandato de Trump, houve um aumento das importações chinesas de produtos agrícolas brasileiros em detrimento dos americanos, oportunidade que poderia ser reaberta para itens como soja, milho e carne”, afirmou.
Houve também entusiasmo em parte da indústria de eletroeletrônicos brasileira. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) declarou que as tarifas de importação impostas pelo governo Trump aos países que concentram boa parte da produção mundial de eletrônicos poderiam representar uma “oportunidade estratégica” para o Brasil. Para a Abinee, essa configuração colocaria o país em “igualdade de condições com outros concorrentes” e poderia abrir portas para um aumento das exportações de produtos do setor elétrico e eletrônico para os Estados Unidos.
Inteligência artificial (IA) alimentada por carvão
As tarifas não foram a única marca dos 100 primeiros dias do governo Trump. Desde o início do mandato, o presidente norte-americano colocou a supremacia em inteligência artificial (IA) como uma das metas prioritárias de sua gestão para os Estados Unidos. Ainda em janeiro, a administração anunciou um plano de investimento bilionário em infraestrutura de IA, em parceria com empresas como Oracle, SoftBank e OpenAI.
Paralelamente, o mandatário atuou para desmontar proteções estabelecidas pela gestão de Joe Biden, seu antecessor, para mitigar riscos relacionados à IA. Uma das primeiras medidas de Trump foi revogar uma ordem executiva de 2023, assinada por Biden, que exigia que desenvolvedores de sistemas de IA que apresentassem riscos à segurança nacional, à economia, à saúde pública ou à segurança compartilharem os resultados de testes de segurança com o governo dos EUA.
A ação se alinha ao lobby de empresas como a própria OpenAI, que já propôs à gestão Trump a flexibilização de regras de direitos autorais para o treinamento de modelos de IA. A companhia também busca impedir que estados norte-americanos imponham regulamentações próprias sobre IA – sendo a SB 1047, projeto de lei da Califórnia que prevê maior responsabilização de empresas que criam modelos de IA, um dos principais alvos.
Ainda no início de abril, Trump se movimentou para ampliar a oferta de energia destinada à indústria norte-americana de IA. Na contramão dos esforços globais para a redução da dependência de combustíveis poluentes, o presidente anunciou uma série de medidas para fomentar a indústria de carvão dos Estados Unidos. As iniciativas incluem a autorização para exploração de carvão em terras federais, o afrouxamento de regulamentações ambientais e a classificação do carvão como um “mineral crítico”.
Até o final da década, o consumo de energia de data centers nos Estados Unidos deve alcançar 9,1% de toda a energia do país, segundo estudo do Electric Power Research Institute. “Nós precisamos investir em IA, em novas tecnologias que estão surgindo. Precisamos de mais do que o dobro da energia, da eletricidade, que temos atualmente”, afirmou Trump na ocasião.
O papel de Elon Musk
A proximidade de Trump com Elon Musk, bilionário CEO de empresas como Tesla, X e SpaceX, também tem sido uma das principais marcas dos primeiros 100 dias da gestão do presidente. A atuação de Musk concentrou-se na liderança do chamado Department of Government Efficiency (DOGE), estabelecido em 20 de janeiro por uma ordem executiva com o objetivo de reduzir investimentos do governo federal.
O departamento foi responsável pela demissão de milhares de trabalhadores de agências federais dos Estados Unidos. As estratégias de cortes orçamentários empregadas pelo órgão foram consideradas polêmicas e rapidamente se tornaram alvo de críticas por parte da população. No final de março, protestos anti-Tesla começaram a ocorrer no país em oposição ao envolvimento de Musk no governo federal.
Esses episódios já impactam negativamente as vendas da Tesla ao redor do mundo. A companhia viu seu lucro líquido despencar 71% no primeiro trimestre de 2025, em comparação com o mesmo período do ano anterior, refletindo a combinação de vendas abaixo do esperado, rejeição à figura de Musk e instabilidade no mercado global de veículos elétricos (EVs).
Na última quarta-feira (23), Musk anunciou que planeja se afastar da atuação no DOGE a partir de maio. Durante a conferência de resultados da Tesla, o bilionário afirmou que pretende dedicar “um ou dois dias” por semana aos assuntos da organização até o final do mandato de Trump, mas que a maior parte de seu tempo seria direcionada à Tesla.
O escrutínio público sobre a participação de Musk na gestão de Trump deve continuar. Ontem (28), um novo relatório produzido por um subcomitê do Senado norte-americano apontou que o portfólio de empresas de Elon Musk poderia evitar mais de US$ 2,37 bilhões em penalizações decorrentes de ações de responsabilização legal devido à sua influência no governo dos Estados Unidos. O montante inclui processos movidos contra companhias como The Boring Company, Neuralink, SpaceX, Tesla e xAI, que enfrentam investigações federais e ações regulatórias.
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