Por Daniel Luzzi
A inteligência artificial (IA) tem chegado com força ao setor educacional, prometendo transformar radicalmente a maneira como aprendemos. Segundo o especialista J. Bersin (2024), “A IA generativa promete revolucionar a forma como aprendemos, oferecendo experiências personalizadas, adaptando-se às necessidades individuais e fornecendo respostas em tempo real.” Bersin enfatiza ainda a importância da ação imediata: “As empresas que abraçarem essas mudanças conquistarão uma vantagem competitiva significativa, enquanto aquelas que resistirem correm o risco de obsolescência. É hora de agir, reavaliar estratégias e implementar soluções que integrem tecnologia e aprendizagem eficazmente.”
Atualmente, o mercado já oferece soluções avançadas, como cursos personalizados baseados em cargos, objetivos e histórico dos usuários. Além disso, destacam-se chatbots que simulam tutores humanos, respondendo dúvidas instantaneamente, ferramentas que geram conteúdos automaticamente, simuladores adaptativos e dashboards com análises preditivas capazes de identificar lacunas e tendências como evasão e desengajamento, entre outros.
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Propósito da IA na educação
A Inteligência Artificial possui um potencial inegável de revolucionar o cenário educacional, permitindo maior personalização e ampliando o acesso ao aprendizado. Contudo, antes de celebrar essa transformação como garantida, é essencial compreender que o impacto real da IA depende fundamentalmente da maneira como a tecnologia é aplicada.
O sucesso das iniciativas baseadas em IA está diretamente ligado à abordagem pedagógica que sustenta seu uso, garantindo que essa tecnologia esteja alinhada às necessidades reais dos alunos e objetivos estratégicos das organizações. Sem uma visão educacional clara, consistente e voltada à transformação, a implementação da IA poderá simplesmente perpetuar práticas tradicionais e ineficazes, frustrando expectativas e não gerando mudanças profundas.
Historicamente, diversas tecnologias foram incorporadas à educação corporativa sem provocar transformações significativas. Um exemplo claro são as videoaulas, que, apesar do avanço tecnológico, frequentemente repetem métodos tradicionais baseados na transmissão passiva do conhecimento. Como alertam Sacristán e Pérez Gómez (2000), muitas vezes essas tecnologias apenas revestem velhas práticas com novas aparências, sem alterar substancialmente a aprendizagem.
Vivemos em um mundo saturado de informações. Como destaca Cappra na MIT Technology Review 2024, “é natural que essa hiperinformação transborde e traga riscos ao processo de aprendizado.” No entanto, esse não é o único desafio atual. O conhecimento cresce exponencialmente e, em muitas áreas, sua validade é cada vez mais curta. Nesse cenário, aprender não é mais acumular informações absolutas, mas integrar, atribuir significado e adaptar-se a um conjunto dinâmico e fragmentado de saberes.
Nesse contexto, as habilidades cognitivas e interpessoais ganham relevância central. O pensamento crítico, criativo, sistêmico, analítico, assim como competências como metacognição, autorregulação, flexibilidade cognitiva, agilidade mental, resiliência e comunicação tornam-se essenciais para enfrentar a complexidade contemporânea. A verdadeira vantagem competitiva já não reside exclusivamente na posse de informações, mas na capacidade de interpretá-las, aplicá-las e adaptá-las em contextos diversos e imprevisíveis.
Os desafios da IA na educação corporativa
Apesar do potencial transformador, a IA na educação corporativa enfrenta desafios estruturais significativos. Um dos maiores obstáculos é a persistente centralidade no conteúdo, perspectiva ainda predominante em muitos setores, que reduz o treinamento a mera entrega de informações prontas para serem assimiladas passivamente pelos aprendizes. Embora possa parecer eficiente, essa abordagem resulta frequentemente em desengajamento, alta evasão, esquecimento acelerado e limitada aplicação prática do conhecimento.
Relatórios como o “2023 Workplace Learning Report” (LinkedIn Learning) e o “Global Human Capital Trends” (Deloitte, 2020) têm destacado a crescente demanda por formatos mais flexíveis, personalizados e centrados no aprendiz. A IA generativa parece oferecer soluções para essa demanda, porém é preciso questionar se estamos efetivamente inovando ou apenas aprimorando superficialmente os antigos sistemas de transmissão de conhecimento, criando “enciclopédias vivas” que correm o risco de gerar superficialidade e fragmentação.
O uso crítico e consciente da IA é fundamental para evitar uma abordagem reducionista e passiva, similar à psicologia condutivista clássica que ignorava os processos internos de aprendizagem, reduzindo tudo à dinâmica estímulo-resposta. É crucial que o uso da IA promova uma aprendizagem consciente, significativa e baseada na reflexão crítica.
Além disso, é fundamental considerar as limitações e riscos da IA, como as “alucinações” (informações incorretas geradas com aparente segurança), vieses cognitivos, superficialidade crítica e criativa, deterioração das habilidades comunicativas dos usuários, incentivo à passividade intelectual e mudanças potencialmente negativas nas formas de raciocínio.
A necessidade de uma nova abordagem
A IA, por si só, não assegura inovação pedagógica. Sua eficácia depende diretamente do contexto, da intenção educacional e da forma como é integrada ao processo de aprendizagem. Utilizar IA simplesmente para automatizar testes ou distribuir conteúdos de maneira linear só reforçará métodos tradicionais e passivos, sem gerar mudança real.
Entretanto, se a IA for integrada a partir de uma visão pedagógica transformadora, que priorize a construção ativa do conhecimento, pensamento crítico e aprendizagem situada, ela poderá efetivamente revolucionar a educação. Nessa perspectiva, a tecnologia pode permitir que alunos tenham mais autonomia sobre seu processo de aprendizagem, oferecendo feedback direcionado, criando ambientes imersivos para resolução criativa de problemas e promovendo uma interação dialógica, que conecta o aprendiz ao mundo real de maneira consciente e reflexiva.
O futuro da educação corporativa requer mais do que a adoção tecnológica; demanda mudanças profundas na forma como o aprendizado é concebido e praticado. Para superar os desafios atuais, é imprescindível adotar abordagens centradas no aprendiz, orientadas à aplicação prática e ao pensamento crítico. Somente assim a educação corporativa poderá se tornar uma verdadeira ferramenta estratégica, formando profissionais aptos a enfrentar com sucesso os desafios complexos do século XXI.
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