A Siemens decidiu interromper parte da exportação de softwares de automação de design eletrônico (EDA, na sigla em inglês) para a China após novas restrições impostas pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos. A medida afeta tecnologias críticas no desenvolvimento de semicondutores e representa mais um capítulo na disputa entre as duas maiores potências globais pela soberania tecnológica.
“Desligamos o acesso a determinados produtos na mesma noite em que recebemos a notificação, pouco antes do feriado de Memorial Day”, afirmou Brenda Discher, vice‐presidente de Estratégia de Negócios e Marketing da Siemens Digital Industries, durante o evento Realize Live Americas*. “Continuamos operando com outras soluções, especialmente voltadas a placas de circuito impresso, e seguimos comprometidos com o mercado chinês.”
A decisão foi tomada após o governo norte-americano exigir licenças específicas para exportação de softwares sensíveis, especialmente para clientes com vínculos militares. Siemens, Synopsys e Cadence, os principais fornecedores globais de EDA, estão entre os alvos da nova regulamentação.
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Disputa geopolítica e cadeias pressionadas
A disputa por semicondutores tornou-se eixo central da rivalidade entre Washington e Pequim. Chips avançados são insumo estratégico não só para a indústria de eletrônicos e veículos autônomos, mas também para aplicações militares e inteligência artificial. Restrições de acesso a essas tecnologias têm gerado reflexos em cadeias produtivas globais.
“A questão ultrapassa o uso militar. Esses componentes estão em milhares de produtos do dia a dia”, afirmou Tony Hemmelgarn, CEO da Siemens Digital Industries Software. “Estamos em diálogo com autoridades nos EUA e na China para mostrar como essas tecnologias são fundamentais em setores diversos.”
A Siemens atua há mais de 150 anos na China e, apesar das sanções, mantém parte de sua operação no país. A estratégia tem sido manter a conformidade com as normas americanas sem comprometer sua base instalada nos dois mercados.
Transformação industrial em curso
O posicionamento da Siemens no setor de semicondutores se insere em uma estratégia mais ampla da companhia para sustentar a inovação industrial. Durante o mesmo evento, a empresa destacou três pilares que orientam seu portfólio global: o gêmeo digital abrangente, a inteligência de ciclo de vida com IA embutida e a integração das soluções de EDA ao ecossistema Siemens.
O gêmeo digital, primeiro desses pilares, consiste em representar digitalmente produtos, processos e sistemas industriais ao longo de todo o seu ciclo de vida. A simulação permite antecipar problemas, testar cenários e otimizar a produção ainda na fase de projeto.
O segundo pilar, a inteligência de ciclo de vida, integra algoritmos de inteligência artificial de forma discreta nas ferramentas de engenharia. “Não entregamos IA como produto isolado. Ela está incorporada nos fluxos de trabalho dos engenheiros, com soluções específicas para cada etapa”, explicou Srikanth ‘Sam’ Mahalingam, CTO da Altair. Um exemplo citado é o uso do RapidMiner, plataforma de dados e aprendizado de máquina incorporada à estrutura da empresa após a aquisição da Altair.
A terceira frente, voltada à integração das soluções de EDA, responde diretamente às exigências técnicas da nova geração de chips. “Desenvolvemos ambientes virtuais que permitem testar arquiteturas de silício sem depender do chip físico”, afirmou Mike Ello, CEO da Siemens EDA. Esse tipo de simulação reduz custos e antecipa decisões sobre consumo energético, aceleração por IA e escolha de materiais.
Nuvem, dados e soberania
A Siemens também tem investido em soluções de nuvem híbrida, especialmente para atender empresas que buscam mais controle sobre seus dados e menor dependência de fornecedores externos. A digitalização das cadeias de suprimentos, combinada à expansão de sensores e dispositivos conectados, tornou a proteção de dados e a gestão de modelos computacionais ativos uma prioridade.
“A pandemia expôs a vulnerabilidade das cadeias globais de chips. Muitos governos perceberam que ficar sem acesso ao silício compromete não só a economia, mas também a segurança nacional”, disse Ello. Segundo ele, a Siemens trabalha para oferecer rastreabilidade e resiliência por meio de sua abordagem digital, sem abrir mão da interoperabilidade com parceiros externos.
Visão de ecossistema
A aposta da empresa está em um ecossistema aberto, com APIs bem definidas, proteção de propriedade intelectual e padrões compartilhados. A intenção é integrar desde os fabricantes de semicondutores até os integradores de sistemas e os usuários finais. “O valor agora está no software, não só no hardware. O diferencial competitivo das empresas está em como conseguem projetar, testar e iterar rapidamente”, afirmou Ello.
*A jornalista viajou a Detroit a convite da Siemens
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